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sábado, 20 de março de 2010

A construtora de Janelas


(...)

"Nesses dias tão vazios
Não tem nada na TV
(....)
Fingindo que não vê
Minha janela indiscreta
Bem aqui de frente"


Todos os dias, Mariana é acordada pelo irritante som do despertador. Antes mesmo de abrir os olhos, ela tenta permanecer quieta, mas é impossível. Sua alma desperta fervorosamente enquanto seus pensamentos voam. Os minutos passam e ela quer ficar lá sem pressa alguma. Mariana não tem vontade de abrir os olhos para mais um dia, para mais uma aventura que é viver. Ela tem medo de viver e do que a espera além dos sonhos, quais serão as angústias que a farão gritar? Aos poucos, ela acorda, olha as horas no relógio e, num impulso, se levanta da cama. Ela vagueia pela casa, senta-se sonolenta em uma das cadeiras da cozinha, toma seu café da manhã e fica sentada lá, olhando para dentro de si mesma. Mariana sabe o que a espera; há deveres a cumprir na sociedade, mas ela não quer sair de seu canto, prefere ficar no conforto de sua sala de estar. Mariana caminha até a janela e olha o clima, o jardim, o céu. "O mundo é tão bonito visto daqui", ela pensa. Ela não quer mais atravessar janelas, só quer vê-las. E o que há de mal nisso? Admirar o horizonte da sua casa sem ter que enfrentar a vida caótica lá fora? Mariana quer gastar suas tardes construindo janelas em seu próprio edifício, parando algumas horas para assistir a um bom filme, ler seus e-mails, ligar o som e ouvir uma música melancólica. Às vezes, não é necessário ligar nada, a música já permanece em sua mente, harmoniosa e envolvente, o que a deixa feliz. No entanto, ela tem que enfrentar! Encontrar pessoas, tentar entender, tentar conhecer outras coisas que estão fora dela... Ah, como isso é difícil. É como ter que se asfixiar para reagir, em uma angústia totalmente estranha que a aprisiona. Ela deveria existir, mas não está preparada para isso. Ela olha para o espelho, arruma o cabelo, reflete. Tenta encontrar coragem para acordar de vez e ir. Na verdade, não encontra tanta coragem assim, mas decide enfrentar, ainda que isso doa. Ela calça seus sapatos e vai, caminhando entre as ruas. Ela tenta fixar sua atenção e, de vez em quando, consegue parar seus vagos pensamentos. Ao atravessar a rua, ao encontrar um conhecido na calçada. Ela quer voltar para casa, fugir da bagunça que está começando a tomar conta dela em grande proporção. Ela rejeita com toda a força em mecanismos e anticorpos, na fiel defesa de si mesma. Mariana entra em seu ônibus, determinada a criar janelas, mesmo que esteja fora de seu canto preferido, mesmo que tenha que se adaptar a novas emoções. Ela se torna uma filósofa, artista, arquiteta de si mesma. Aperta o play, coloca o fone de ouvido e começa a usar suas ferramentas de construção para mais uma nova janela. Ela a constrói como um quadro perfeito, mesmo em suas rachaduras. Mariana observa tudo, os gestos, as expressões alheias. Ela olha profundamente as pessoas como se pudesse viver dentro delas, como se pudesse sugar seu interior e trazer para dentro de si. Ela sabe que não são verdadeiras todas as conclusões que faz, mas o que importa é o que ela ouve, sente e a faz voar. Às vezes, Mariana inventa situações, idealiza nomes, reencontra pessoas que ama em um despertar emocional, que pode ser de fúria ou de ternura. Ela sabe que possui a capacidade de viver todas aquelas sensações, é criativa, e cada vez mais se torna um segredo e um mistério. Ao chegar ao destino que lhe é imposto, Mariana desce do ônibus totalmente anestesiada. Ela olha, sente, acha esquisita aquela multidão. É um ambiente veloz de pessoas tomadas pela pressa, engolidas pelo tempo que não têm mais. Mariana deveria se tornar uma delas, correr também. Ofegante, olha tudo, acha que há algo errado com ela. A verdade é que todos os seres humanos são ridículos e atraentes, assim como ela também é de alguma forma, não importa em que situação ou em que grau. Há nela a certeza de que existem fragmentos que nos diferenciam, nos tornam um pouco únicos no que somos. Essa desigualdade teria uma imensidão infinita e faz com que não nos percamos na monotonia dos iguais. E ela pensa, "que complexo é esse tal de ser humano, e eu sou um deles". Então, chega o momento em que ela deve fechar totalmente suas janelas, ou até destruí-las, para que não se distraia nelas mais, para que cumpra toda e qualquer obrigação que houver. Mas ela não faz isso. "Mariana, acorda", ela repete várias vezes. Ela volta para casa e, em todo o trajeto, faz as mesmas construções. Alguns instantes, ela deve parar um pouco, afinal, roubaram suas ferramentas! Mas logo ela as encontra e continua seu trabalho envolvente. Ela chega em casa, não sente alívio algum. Muitas vezes é tomada por uma alegria arrebatadora, outras por uma tristeza imensa que a faz chorar. Na maioria das vezes, não encontra motivo para tais emoções e sentimentos, mas sabe que fazem parte de seu mundo particular, o qual foi posto em choque com um mundo que não é seu. Mariana quer descansar, está cansada demais para dramatizações. O dia não foi fácil, foi a mistura dos avessos e que, de alguma forma, louca, fluiu em harmonia. "Acho melhor pegar meu travesseiro", pensou ela. Ela deita em sua cama, fecha seus olhos e suas janelas aos poucos e adormece. Não fecha totalmente as janelas, sempre esquece uma fresta aberta na entrada de luz e frio, na invasão de sonhos, fantasia e pesadelos sufocantes. Na próxima manhã, ela será novamente uma construtora de janelas. Dizem que "os olhos são as janelas da alma e o espelho do mundo". Será que isso é verdade?

Bruna Fávaro

3 comentários:

  1. Mariana!! *.*

    Um pouco de nós nela, e mto dela em nós!



    =D

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  2. Uau, essa manja =]

    Já tem um link pro seu blog no meu, só ver a barra lateral o/

    Gostei muito dos seus textos, estão ótimos. Gostaria de saber se você não quer colocar um deles no meu. No próximo fim de semana vou colocar um texto de autoria alheia, e gostaria de saber se você aceita. Se sim, manda pro meu email (dsc.soares@gmail.com) junto com um resuminho sobre vc, do tipo: X anos, gosta de bla, bla, bla...rs

    Beleza?
    Beijooo

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  3. Esse foi o primeiro que li dos seus
    e marcou mesmo.
    Segredo, chorei.
    bjs.

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